“Previsões” Marxistas: Releituras para a Crise Financeira Mundial

terça-feira, 9 de junho de 2009

"Em um sistema de produção em que toda a trama do processo de reprodução repousa sobre o crédito, quando este cessa repentinamente e somente se admitem pagamentos em dinheiro, tem que produzir-se imediatamente uma crise, uma demanda forte e atropelada de meios_de_pagamento.
Por isso, à primeira vista, a crise aparece como uma simples crise de crédito e de dinheiro líquido. E, em realidade, trata-se somente da conversão de letras de câmbio em dinheiro. Mas essas letras representam, em sua maioria, compras e vendas reais, as quais, ao sentirem a necessidade de expandir-se amplamente, acabam servindo de base a toda a crise.
Mas, ao lado disto, há uma massa enorme dessas letras que só representam negócios de especulação, que agora se desnudam e explodem como bolhas de sabão, ademais, especulações sobre capitais alheios, mas fracassadas; finalmente, capitais-mercadorias desvalorizados ou até encalhados, ou um refluxo de capital já irrealizável. E todo esse sistema artificial de extensão violenta do processo de reprodução não pode corrigir-se, naturalmente. O Banco da Inglaterra, por exemplo, entregue aos especuladores, com seus bônus, o capital que lhes falta, impede que comprem todas as mercadorias desvalorizadas por seus antigos valores nominais.
No mais, aqui tudo aparece invertido, pois num mundo feito de papel não se revelam nunca o preço real e seus fatores, mas sim somente barras, dinheiro metálico, bônus bancários, letras_de_câmbio,_títulos_e_valores.
E esta inversão se manifesta em todos os lugares onde se condensa o negócio de dinheiro do país, como ocorre em Londres; todo o processo aparece como inexplicável, menos nos locais mesmo da produção"
(1967, Karl Marx, O Capital, volume 3, capítulo 30, capital-dinheiro e capital efetivo). Fragmento fantástico formulado por Marx em 1867, que impressionantemente traduz muito do que vimos na construção da crise econômica contemporânea e que abre um grande leque para iniciar uma discussão.

Este trabalho não pretende contrapor a dialética, prestar o papel de realizar um arranjo histórico dos fragmentos de Marx. Neste sentido, o título que remete a palavra “previsões”, e o conjunto de comparações com a atualidade, apenas servirão para expor algumas citações, pontos de vista e contribuir de alguma maneira para o debate, já que as análises econômicas de Marx voltam à tona com grande destaque neste período de conturbações; mas sempre frisando as diferenças do contexto histórico, embora ao fim e ao cabo é importante também considerar que estamos ainda sob o mesmo sistema econômico e social analisado por Marx.

Crise econômica, este é o fantasma que atormenta os capitalistas, o fantasma da recessão. A crise financeira que vemos preocupa o mundo inteiro e teve como epicentro a falência do mercado imobiliário ianque, a chamada “crise do subprime”. Na seqüência vimos à derrocada de todo o mercado financeiro, o capitalismo especulativo, o "capital fictício" se desmancha no ar e mostra a sua cara e caminha para uma dura depressão. Aqueles que se vangloriavam e defendiam um mercado auto-regulável, deram com burros n’água, ficando sem chão para suas pseudo-teorias. O que se vê realmente são trilhões de dólares injetados por Estados burgueses que simplesmente estão aprofundando o papel que lhe cabe no mundo capitalista, ou seja, o de gerenciar os negócios e interesses gerais da classe dominante. A pergunta que fica no ar é a seguinte: e agora, quem vai pagar esta conta?

Em “As lutas de classe na França de 1848 a 1850”, Marx demonstra as causas que impulsionaram a Revolução de Fevereiro naquele país europeu, tal qual os motivos que levaram à contra-revolução. Para as ponderações que fazemos com relação a crise atual, nesta obra Marx apontava como fator econômico propulsor da revolução a crise do comércio e da indústria na Inglaterra, que foi justamente a quebra geral dos especuladores de ações ferroviárias. Vejamos a seguir alguns trechos da obra, que mostram claramente a função do Estado e os especuladores em ação: “As câmaras punham os encargos principais sobre os ombros do Estado e asseguravam os frutos de ouro à aristocracia financeira especuladora”, “A Monarquia de Julho não passava de uma grande sociedade por ações para a exploração da riqueza nacional da França”, “A França dos especuladores da Bolsa havia inscrito em sua bandeira, Nada pela glória! A glória não dá nada! A paz por toda parte e sempre! A guerra faz baixar de 3 e 4 por cento as cotações! Eis o que havia inscrito em sua bandeira a França dos especuladores de Bolsa”

Diariamente podemos acompanhar nos noticiários as medidas governamentais tomadas para tentar estabilizar a economia e estimular a circulação de valores, contrariando o cinismo de economistas e seus pares a favor da liberdade de mercado. O Sistema Capitalista necessariamente não pode prescindir do consumo, afinal, como dizia Marx “produção é consumo”; então, quando o consumo de mercadorias estagna ou descresce, encolhendo mercados, o efeito disso na dinânica de reprodução do capital é catastrófico e a consequência se dá em em cascata, afetando o comércio varejista e por conseguinte a produção industrial. No final das contas, a opção da burguesia é jogar o peso da crise do capital nas costas dos trabalhadores, penalizando-os. A grosso modo, poderíamos descrever o processo desta maneira: Primeiro vêm às férias coletivas, as primeiras demissões, depois as demissões em massa e os ataques aos direitos sociais dos trabalhadores para fazer baixar o custo da força de trabalho. O “socorro público” aos capitalistas é também uma forma de penalização da classe trabalhadora, uma vez que grande parte deste dinheiro – vindos de impostos – deveriam ser redistribuídos na condição de serviços públicos essenciais, e que são desviados para salvar uma trama especulativa criada para inflar os bolsos de especuladores que agora saem impunes de suas tramóias.

O cenário do próximo período da atual crise econômica mundial, tem reflexos graves na economia, e como já foi dito, incidirá fortemente sobre as finanças públicas. Dentro deste contexto já é evidente que a saída apontada pela classe dominante em todo o mundo – e no Brasil não é diferente – é o de abocanhar fatias cada vez mais substanciosas dos orçamentos públicos em favor de bancos e empresas, o que torna indispensável pôr em questão os gastos dos governos com os serviços públicos e com os servidores, conforme dissemos acima. Também já começam as pressões por baixar o custo da força de trabalho, o que no Brasil inclui a cantilena de nova “reforma” previdenciária e uma “reforma” trabalhista, que nada mais são que medidas para privar o trabalhador de seus direitos já adquiridos.

Outro recorte que merece destaque, este de 1859, em “Para a Crítica da Economia Política”, Marx dizia, "(...) o fenômeno mais geral, mais palpável das crises comerciais é a queda súbita, geral, dos preços das mercadorias, que sucede, invariavelmente, a uma alta bastante prolongada desses preços. Essa queda no preço das mercadorias é o resultado de uma valorização do valor do dinheiro, que decorre de uma circulação deficiente. Assim, os preços baixam e sobem periodicamente, porque periodicamente circula demasiado ou pouco dinheiro". Para ilustrar tal situação e demonstrar o desespero do mercado, podemos nos deter ao exemplo do lojista de carros usados da Inglaterra que surgiu a pouco com a seguinte promoção: “Compre um carro e leve dois”.

Quanto as conseqüências, Gramsci coloca a “pergunta: o americanismo pode construir uma ‘época histórica’, isto é, pode de terminar uma mudança gradual do tipo, já examinado, de ‘revolução passiva’ própria do século passado, ou, ao contrário, representa apenas a acumulação molecular de elementos destinados a produzir uma ‘explosão’, isto é, uma revolução do tipo francês”? Ou seja, estamos prestes a ver um aprofundamento da revolução burguesa vigente, que apresenta pequenas mudanças para sua manutenção, ou estamos caminhando para uma construção transformadora de revolução com pretensões socialistas.

Em entrevista ao jornalista italiano Simone Bruno, publicada no Jornal Brasil de Fato, Noam Chomsky, intelectual de esquerda estadunidense, que apesar de ser lingüista, diz que “o sistema em que vivemos deveria ser chamado de capitalismo de Estado”, “Não há uma ameaça ao capitalismo de Estado”, “o que temos é um sistema de socialização de custos e riscos e a privatização do lucro”. Chomsky inclina-se visivelmente para a primeira hipótese de Gramsci, mas a força da classe operária nunca deve ser subestimada.

Diante das iminentes ameaças ao nível de vida das massas, miserabilização crescente de fatias cada vez maiores de parte da população mundial, acirramento de conflitos com possibilidade de novas e mais intensas guerras, não se pode deixar de reexaminar também as hipóteses montadas por Rosa Luxemburgo para as perspectivas históricas da humanidade: “socialismo ou barbárie”.

O momento, sem dúvida, do ponto de vista teórico, é o de revisitar Marx para se medir o real grau de esgotamento histórico do sistema da propriedade privada dos meios de produção, vitimado pelas próprias leis e regras que regem este sistema, que inclui contradições insolúveis e soluções superadoras como já se aconteceu na história como outros modos de produção como a escravidão e o feudalismo.

Do ponto de vista da ação prática na social (práxis) é preciso organizar os trabalhadores da cidade e do campo, militantes, jovens e povos oprimidos, para um projeto soberano, capaz de romper as algemas do capitalismo. O capital não se demiti voluntariamente, e necessário que se trave a luta para se conquistar a sua emancipação.

Evandro de Mesquita Silva

São José, 21 de novembro de 2008.

 
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